Arrabida Bound

Arrabida Bound

síntese

18 Novembro 2021 – 22 Janeiro 2022 (prolongada)

Arrábida Bound
Miguel Palma & Luís Palma
Curadoria de Miguel von Hafe Pérez

Arrábida bound é uma exposição que materializa uma rede de amizades que se cruzam em tempos, experiências e um presente partilhado. Enquanto curador sempre desconfiei violentamente daqueles que tentam estar sempre a acompanhar a crista da onda e juntam dezenas, centenas de artistas com os quais já “trabalharam”. Puro marketing egocêntrico. Se acreditas que alguém tem alguma coisa para dizer neste mundo, tens que verdadeiramente de estar ao lado, apoiar e criticar sempre, independentemente do que estiver em causa. Agora o que não podes fazer é ignorar porque de repente a agenda socioideológica mudou de rumo. Isso sim é deprimente e hipócrita, não o contrário. Por vezes, alguns ficam pelo caminho: se assim não acontecesse seria sinal de que a arte não mais seria do que um espelho enganador da realidade. Felizmente acredito que a arte é um espelho magnífico, deturpador e expansivo da realidade. Lamento os que se perderam porque já não estão connosco (a obra, se for válida perdurará), lamento os que se perderam em adições várias, mas nunca deixaria de aceitar, admirar e acompanhar aqueles que cresceram comigo e me ajudaram a olhar o mundo de uma forma diferenciada.

Dando-me uma espécie de “carta-branca” para a concretização desta exposição, a Galeria Insofar e o seu mentor Hugo Carvalho, diligentemente assistido pela Inês Valle, não só demonstraram uma confiança hoje em dia rara, como a sustentaram num conhecimento aprofundado do contexto da arte contemporânea portuguesa. É sempre bom perceber que novos interlocutores esclarecidos povoam o mapa.

Na verdade, foi a partir da exposição Imagens para os anos 90, que teve lugar em Serralves em 1993, que eu, o Miguel e o Luís cimentamos uma amizade e um continuado trabalho que se estabeleceu ao arrepio de modas, conjunturas e determinações exteriores.

Arrábida bound parte de uma coincidência verdadeiramente extraordinária: ambos os artistas desenvolveram nos últimos tempos uma série de trabalhos que de forma mais ou menos literal se associam à ponte da Arrábida, ponte icónica da cidade do Porto. Construída entre 1957 e 1963 a estrutura revelou-se um desafio assoberbante nos seus princípios de engenharia, bem como um conseguido exemplo de uma elegância formal que viria a eternizar o seu autor, o engenheiro Edgar Cardoso.

O projeto Vinte e cinco palavras ou menos de Luís Palma parte de uma série fotográfica realizada no interior de uma autocaravana estacionada precisamente nas imediações da ponte da Arrábida e que era a habitação de um velho rock´n’roller. Um dia, a passar nesse local Luís Palma ouviu o som de uma bateria que ecoava de parte incerta. Identificado o local, o artista bateu à porta e percebeu o contexto inusitado que aí se apresentava. O interior dessa autocaravana, enquanto local de residência e possibilidade de exercício de rememorações praticadas, tornou-se num exercício de curiosidade compartilhada. Antigo membro de uma banda de “covers” que teve o seu apogeu no final dos anos setenta e oitenta do século passado, este personagem agora a percorrer o seu dia-a-dia no isolamento de uma casa móvel torna-se uma metáfora tão potente quanto insidiosa de tudo que a nossa sociedade tende a esquecer. Saberá ele que o seu grupo, intitulado Pesquisa, faz parte da minha memória de cartazes espalhados pela cidade…

 A partir daí o autor faz uma viagem por memórias pessoais, incluindo um conjunto de fotografias dos inícios dos anos noventa, onde se entrecruzam narrativas da política (nomeadamente do colonialismo e da revolução), da vida da estrada e do universo musical como definidor de atitudes e comportamentos. Memórias de um concerto dos Clash em Madrid, memórias de uma vida em descoberta narcisística e sem futuro como os punks reclamavam, tudo revolve no caldo de um Portugal pós-revolução que se tentava encontrar social e individualmente. Vinte e cinco palavras ou menos: elíptico, este conjunto de obras não precisa de denunciar, arregimentar, ou gritar: como disse Iggy Pop, uma canção para transmitir um determinado nível de energia e urgência não precisa de mais de vinte e cinco palavras. Imagens feitas no espaço exíguo de uma autocaravana com uma máquina de grande formato são oximoro impagável. É isso o que Luís Palma nos traz e oferece. O lastro da sua memória nas outras imagens é o lastro de um passado que é presença daquilo que para alguns foi definidor. Se assim não foi, passa a história.

Miguel Palma ancora os seus trabalhos na representação explícita da ponte da Arrábida num desdobramento entre a escultura e o desenho. Como sempre, referencia um universo ficcional onde a modernidade se apresenta enquanto paradigma tensivo entre a eficácia e a derrisão, entre o conforto e o desastre. Os seus mecanismos são uma espécie de máquinas celibatárias no sentido duchampiano, onde desejo e morte se confundem no lastro de movimentos repetitivos e circulares sem nexo evidente. O estirador agora transformado em escultura é um repositório de gestos imaginados combinados com uma série de apontamentos que atravessam o tempo em sincronia disruptiva. Interessa-lhe, fundamentalmente, o gesto: a possibilidade de unir margens, de fazer a ponte entre tempo distintos, vontade díspares, exercícios de uniões improváveis, como aquela que voltando a Duchamp ele estabeleceu com a sua parceira nua no jogo de xadrez. Porque a arte é isso: perceber que há regras, estudá-las, mas a partir daí estabelecer algo que num quadro mais ou menos definido se pode ancorar como a divergência absoluta. 

O gesto, na curva determinante, alberga uma miríade de referências que o espetador saberá identificar. A camuflagem da ponte de betão, num dos desenhos, com a estrutura da ponte do Eiffel no Porto, reitera essa compressão imaginária do tempo onde as vanguardas tecnológicas se encontram, em uníssono com o gesto esteticamente procurado da curva que une: tal como na obra de arte contemporânea, exige-se aqui a confiança num presente obsoleto. Nada se passa fora daquilo que o observador pode acrescentar. O resto é um canal direto para o esquecimento. 

Na sua incomparável busca de um sentido para a modernidade Miguel Palma é um dos autores que melhor nos sublinha a importância de confrontar modos de imaginar um mundo que nos foi prometido com aquilo que esse mesmo mundo se revelou enquanto impossibilidade verificável. Hoje os nossos filhos pedem-nos a fatura. Na altura, queríamos todos um dia ir de Concorde em quatro horas e meia da Europa para Nova Iorque. Não o fizemos?

Sem culpa, como algumas das imagens do Luís nos dizem: outros tempos, novas memórias e expetativas. 

Arrábida bound é, então, uma oportunidade para testemunhar como através da arte contemporânea se podem ativar criticamente conceitos como os de memória, história e sequelas da reflexão (ou falta dela) sobre o nosso passado recente.

Notas (porventura demasiado pessoais) sobre uma exposição

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vista de exposição
artista

Miguel Palma (Portugal, 1964)

Miguel Palma é um artista que se apropria das narrativas da modernidade em permanente questionamento, para compreender o presente de forma mais clara. Fascina-o os ícones da modernidade clássica: aviação, automóveis, arquitetura, natureza (mais ou menos domesticada) e tecnologia em geral. A curiosidade e a forma como articula diferentes horizontes de conhecimento sublinham a nossa capacidade de nos reinventarmos, disfarçando a inexorável lei superior, que é a vitória do tempo sobre a finitude humana. Como dispositivos que potenciam um olhar crítico para o nosso passado recente e para os dias de hoje, as declarações de Miguel Palma confrontam-nos com tensões que se experimentam no frágil equilíbrio da nossa existência. Como o próprio artista diz: “Se o mundo estivesse confortável, eu não faria arte.” Com uma atividade que se estende por mais de três décadas, as suas obras movem-se entre os mais diversos meios de comunicação, como escultura, vídeo, instalação, desenho e performance.

mais sobre o artista   Bio | CV

Luís Palma (Portugal, 1960)

Luís Palma é um dos principais artistas na história recente da fotografia portuguesa. Tem sido crítico de mapear o território, no qual a sua eloquência técnica é combinada com uma estratégia cuidadosa para expandir a imagem como forma de criar memórias sociais e políticas. Em retratos ou paisagens, o seu principal interesse é o contexto subjacente aos seus projetos, que muitas vezes são desenvolvidos ao longo de períodos muito longos. Assim, fomenta a reflexão sobre a passagem do tempo e as vicissitudes da intervenção humana na sua organização material.

Está representado em várias coleções públicas e privadas, incluindo: Encontros de Fotografia, Centro de Artes Visuais, Coimbra; Coleção Sala Rekalde, Diputácion Foral de Bizkaia, Bilbao, Espanha; Coleção MACE (António Cachola), Museu de Arte Contemporânea de Elvas; Coleção da Fundação Coca-Cola de Espanha, Madrid; Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa; Fundação PLMJ, Lisboa; Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto; Fundação Ilídio Pinho, Porto; Coleção de Fotografia do Novo Banco; Museu de Arte do Rio de janeiro, Brasil; Fundação EDP, Lisboa.

mais sobre o artista   Bio | CV

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